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António Costa acrescenta crise à crise em Lisboa

 

Grupo Municipal de Lisboa

ACRESCENTAR CRISE À CRISE

Roteiro da intervenção de João Bau (BE) sobre o tema “Orçamento de 2012 e Grandes Opções do Plano 2012/2015” na reunião da Assembleia Municipal de Lisboa de 31 de Janeiro de 2012

 

 

Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados.

 

Temos hoje para analisar dois documentos de uma importância fundamental para o governo da cidade de Lisboa: o Orçamento para 2012 e as Grandes Opções do Plano para o período 2012-2015.

 

Este debate vai ter lugar num período em que uma enorme crise assola o País. E num ano em que, de acordo com recente informação do Banco de Portugal, a recessão vai ser ainda superior à que foi anteriormente prevista. A contracção da nossa economia não tem precedentes.

 

Os efeitos desta política de austeridade recessiva aplicada pelo Governo (e que parece que nos quer atirar para um poço sem fundo) são bem nítidos na proposta de Orçamento que nos é apresentada. Onde a diminuição de receitas da Câmara, quer das correspondentes aos impostos directos, quer das correspondentes às transferências correntes (nomeadamente FEF, FSM e IRS), condicionará significativamente a actividade municipal. E obrigam desde já a Câmara a limitar o seu esforço de investimento e a concentrá-lo apenas, e no essencial, no PIPARU (Programa de Investimentos Prioritários de Apoio à Reabilitação Urbana), na componente nacional do QREN e outros fundos comunitários e na utilização das verbas provenientes da concessão do Casino.

 

Um traço marcante da proposta de orçamento para 2012 é a insistência na concretização de duas operações extraordinárias, já previstas no orçamento de 2011 com uma receita global então orçamentada em quase 400 M€, e que não tiveram nenhuma concretização financeira nesse ano. Pois bem, tais operações extraordinárias voltam a estar previstas no orçamento de 2012, agora com uma previsão de receita significativamente inferior: a primeira operação relacionada com a EPAL (no valor de 105 M€ em 2012, contra uma previsão de 100 M€ para 2011) e a segunda de criação de um fundo imobiliário (com uma receita no valor de 91 M€ em 2012 que corresponderia a uma primeira fase, contra uma previsão de 292 M€ para 2011).

 

No total as duas operações valem em 2012 quase 200 M€, ou seja, cerca de 20% das receitas totais orçamentadas para o município.

 

O objectivo declarado dessas duas operações é permitir, no ano em curso, uma amortização extraordinária da dívida do município de Lisboa no valor de cerca de 197 M€, o que permitiria ao município passar a dispor de meios libertos adicionais de 22 M€ anuais para o orçamento da cidade. Esta opção é, por um lado, questionável politicamente dada a natureza das duas operações e, por outro lado, é considerada por muitos como irrealista tendo em conta que teria lugar num ano que se espera particularmente difícil para os cidadãos e para a economia nacional. Há ainda que ter em conta que, em Lisboa, e é o Presidente António Costa que o afirmou expressamente, “hoje temos uma dívida estruturada de médio e longo prazo que felizmente hoje temos capacidade de solver”.

 

Vale pois a pena uma análise mais circunstanciada de cada uma das duas operações, não só pelo seu peso significativo nas receitas do município mas essencialmente porque são paradigmáticas da visão que o actual executivo tem para a cidade, das suas orientações programáticas e das suas prioridades políticas. E vale a pena valorizá-las politicamente no quadro da grave crise que vivemos, muito em especial analisando se poderão, caso se concretizem, contribuir para a superação da situação de crise que enfrentamos ou se, pelo contrário, poderão porventura contribuir para a sua agudização.

 

Debrucemo-nos sobre a primeira dessas operações, aquela a que o Presidente António Costa chamou de o “negócio da EPAL”. Esta Assembleia dispõe de muito pouca informação concreta sobre tal operação, mas a prestada no ano transacto na Comissão de Finanças pelo executivo indicava que a referida operação comportaria a venda à EPAL pelo município das suas redes de saneamento de águas residuais e de águas pluviais, e do direito de operar tais redes, a troco do pagamento de uma importância de 100 M €, a que acresce o pagamento em cada ano de uma importância de 1% das receitas da EPAL com o saneamento (até 2022), percentagem essa que passaria para 2% a partir dessa data. A EPAL passaria a receber a tarifa de saneamento até agora entregue à Câmara (e ignora-se se o chamado adicional do tarifário de água também seria também afecto ao pagamento do saneamento). Isto implicaria que a CML passasse a pagar à EPAL a tarifa de saneamento correspondente às suas utilizações de água (e será importante saber o que está orçamentado para tal pagamento) e, se o adicional fosse adstrito também ao pagamento do serviço de saneamento, a CML passaria também a pagar a água que consome nas suas instalações e nas suas actividades.

 

A realização desta operação, numa primeira leitura e com os elementos disponíveis, afigura-se ser muito interessante para a EPAL. Mas a realização desta operação levanta algumas questões. A primeira é a de saber o quadro legal em que tal operação se enquadra, tendo-nos sido prestada a informação de que seria necessária a preparação de um decreto-lei específico que teria estado em curso com o Governo anterior. A segunda é a de saber se a EPAL será autorizada pelo Governo a aumentar o seu passivo no montante necessário à realização da operação (que incluiria ainda um valor estimado de investimento de 160 milhões de euros em dez anos), conhecidas que são as limitações que, em tal matéria, têm as instituições do sector público. E a terceira evidentemente é a de saber se a EPAL obtém quem lhe financie a operação.

 

Mas outras questões se levantam. Qual vai ser o custo para os cidadãos de Lisboa desta operação?

 

A actual tarifa de saneamento foi criada para financiar duas componentes do saneamento básico (o saneamento de águas residuais e os resíduos urbanos). Se esta tarifa passar a ser exclusivamente utilizada para o pagamento à EPAL os cidadãos de Lisboa passarão certamente a pagar uma nova tarifa para a gestão dos resíduos. Qual vai ser o tarifário a adoptar em Lisboa?

 

E qual vai ser o tarifário adoptado pela EPAL para o saneamento? E como vai evoluir nos próximos 20/25 anos? São informações que até agora nunca foram prestadas a esta Assembleia, apesar de solicitadas. De uma coisa estou certo: a EPAL tem esta informação perfeitamente trabalhada, pois nenhuma empresa do universo da Águas de Portugal entraria numa operação desta envergadura sem um modelo financeiro de longo prazo que lhe permita, entre outras coisas, saber a preços constantes quais as tarifas que vai praticar ao longo do tempo.

 

Tais tarifas terão que ter em conta não só os custos de operação e manutenção do sistema, e a amortização dos novos investimentos que serão necessários, mas terão também que permitir recuperar quer o montante inicial exigido pelo município quer as percentagens anuais da receita pedidas pela CML. Ou seja, quem vai pagar os 105 M€ da prevista “venda” da rede e a “renda” anual vão de facto ser os munícipes.

 

O executivo municipal parece inebriado pela perspectiva do “negócio”, mas há um esclarecimento a que o Sr. Presidente não pode fugir: quanto é que tal negócio vai custar aos lisboetas? Quais vão ser os aumentos tarifários que os munícipes, neste ano tão difícil, teriam de suportar nas suas facturas de saneamento e resíduos para pagar o “negócio” que a CML quer fazer com a EPAL?

 

 

 

Mas há mais a esclarecer nesta operação, Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados.

 

Está prevista a venda à EPAL não só da rede de águas residuais urbanas mas também da rede de águas pluviais. E a requalificação e modernização de tal rede, que exige novos investimentos, é essencial para o combate às cheias urbanas de que já sofre, como há muito era previsível, a baixa de Lisboa. Muito embora seja indispensável não esquecer que a problemática das cheias urbanas não se combate apenas, ou essencialmente, com a construção de infraestruturas, mas também com medidas não estruturais. É necessário ter em conta que foi a política urbanística seguida há muitos anos, com a progressiva e crescente impermeabilização dos terrenos da cidade e a consequente diminuição da infiltração da água nos solos, que conduziu inexoravelmente ao aumento do escoamento superficial e que esteve na origem da ocorrência das cheias urbanas com que hoje Lisboa se defronta. A aposta no Plano Verde tem pois de continuar a ser uma das prioridades da política municipal.

 

Pelo que tenho muitas dúvidas de que a construção e operação da rede de águas pluviais possam ser entregues (com vantagem) pelo município a terceiros, em detrimento de uma abordagem municipal conjunta quer da modernização e requalificação da rede, quer da alteração das políticas de ocupação e uso do solo em Lisboa.

 

Mas a realidade é que a proposta do executivo prevê que, no pacote do que designam como o “negócio da EPAL”, conste a rede de águas pluviais. Mas tal opção exige a resposta a outra pergunta. Como vai ser paga a operação e os novos investimentos que tal rede exige? A Recomendação nº1/2009 da entidade reguladora do sector da água e resíduos, a que trata da formação dos tarifários aplicáveis aos utilizadores dos serviços públicos de saneamento de águas residuais urbanas, é muito clara. E dispõe que “os custos específicos associados à recolha e à drenagem de águas pluviais (…) devem ser excluídos do universo de custos a recuperar por meio do tarifário dos serviços de saneamento (…), mediante segregação ou estimativa, devendo ser recuperados por meio de receitas distintas das entidades titulares”. Se tais custos não podem ser recuperados via tarifária, e se certamente a EPAL não vai suportar tais custos com os seus lucros, quais são as “receitas distintas” das tarifas que vão suportar a operação e o investimento na rede de águas pluviais de Lisboa? Não obtive ainda resposta para esta questão, mas é imperioso que tudo seja esclarecido.

 

Do ponto de vista político esta operação tem que ser valorizada no quadro da grave crise que vivemos e da resposta necessária à sua superação. Acontece que é conhecida a intenção do Governo PSD/CDS de privatização do Grupo Águas de Portugal (num modelo ainda em fase de definição), o que muito provavelmente envolverá a privatização da EPAL, considerada a “joia da coroa” do Grupo. Todos sabemos que dirigentes do PS têm considerado tal privatização como sendo uma das “medidas para além do memorando com a TROIKA” que o Governo tem vindo a aplicar. Ora esta proposta do executivo de “vender” a rede de águas residuais abre a porta à privatização da gestão da rede de saneamento de Lisboa, à mercantilização de um serviço público essencial.

 

Acresce que uma eventual privatização da gestão da EPAL conduzirá, podemos dizer que inevitavelmente, a que a gestão do serviço que presta à cidade passe a ser feita por uma empresa estrangeira. Que pode até ter accionistas públicos (de outros países) em posição de controlo ou, no mínimo, como accionistas de referencia.

 

Ora não se pode de modo algum considerar coerente com a posição crítica de dirigentes do PS relativamente à intenção do actual Governo de privatizar o Grupo AdP a intenção do Presidente António Costa (e do seu executivo de maioria socialista) de “contribuir” para tal privatização com o sistema de águas residuais de Lisboa. É que, se o Governo foi “mais além do memorando com a TROIKA”, com esta proposta António Costa e a sua maioria vão “mais além do Governo”.

 

Ora a defesa dos serviços públicos, e a recusa da sua privatização, é um dos traços essenciais da luta social de combate a esta política de austeridade recessiva, e é portanto um dos traços distintivos das políticas defendidas pelas forças de esquerda na resposta às politicas neoliberais.

 

A proposta do executivo de maioria socialista de privatização da rede de águas residuais de Lisboa só pode pois acrescentar crise à crise.

 

 

A nossa cidade tem ainda memória do que foi a gestão privada do sistema de abastecimento de água de Lisboa. Durante mais de 107 anos, entre 27 de Abril de 1867 e Junho de 1974, o serviço de abastecimento de água a Lisboa esteve concessionado a uma empresa privada. A avaliação que o governo de Marcelo Caetano fez do desempenho da concessionária levou-o a optar por não renovar a concessão à empresa privada operadora e por criar uma empresa pública para gerir o sistema de água de Lisboa. A opção de criar a EPAL não foi pois tomada pelos governos pós-25 de Abril, mas sim pelo governo da ditadura. E este tinha boas razões para tomar tal atitude, pois o sistema de abastecimento de água à região de Lisboa, em 1974, não tinha a capacidade de produção indispensável, nem capacidade de transporte da água das origens para Lisboa, nem a cidade dispunha da capacidade de reserva minimamente necessária. Esses problemas levaram até à ocorrência em 1974 de uma epidemia de cólera em Lisboa, que foi acompanhada por missões da OMS que se deslocaram à nossa capital, por várias vezes. E foi com o apoio dos relatórios da OMS que a EPAL, cumprindo as directivas governamentais, solicitou e obteve do Banco Mundial o financiamento necessário para as obras que era urgente realizar.

 

Foi pois a recém constituída empresa pública que teve de fazer, em curto período de tempo, o que durante anos e anos tinha sido descurado pela gestão privada. Temos hoje um bom serviço de abastecimento de água a Lisboa, planeado e dimensionado com uma perspectiva de longo prazo. Considero útil relembrar tudo isto num momento em que o sector público é apresentado, pelos arautos da ideologia dominante, como o paradigma da ineficiência e do despesismo, e em que o sector privado é exaltado como o exemplo da gestão optimizada e da gestão de qualidade. No domínio das águas, a realidade concreta vivida na nossa cidade não autoriza tais pressupostos. Muito pelo contrário! É indispensável manter viva a memória do que aconteceu.

 

 

Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados

 

A segunda das operações extraordinárias a que a Câmara pretende recorrer consiste na criação de um Fundo fechado de investimento imobiliário, constituído por terrenos urbanos municipais. Terrenos esses com a sua titularidade perfeitamente esclarecida e com a sua edificabilidade definida e consolidada. A Câmara previu um encaixe financeiro com esta operação de 292 M€ quando a operação estiver concluída na sua totalidade, prevendo em 2012 arrecadar uma primeira parcela de 91 M€.

 

Esta proposta levantou já um conjunto de questões absolutamente pertinentes:

 

a)   Questões quanto à oportunidade da operação: Será este o momento mais adequado para a fazer, tendo em conta que estamos numa altura em que o mercado imobiliário está numa fase de grande abrandamento, em que a valorização dos terrenos será mais baixa?

 

b)   Questões quanto à viabilidade da operação: Se a decisão for a de avançar, será possível encontrar investidores interessados?

c)   Questões relativas ao risco de se poder estar a comprometer irreversivelmente

 

decisões de carácter urbanístico ou programas de habitação que a Câmara decida vir no futuro a promover em Lisboa. Tendo até em conta que a operação que nos é proposta vai implicar a mobilização de cerca de 25% do potencial de edificabilidade dos solos municipais em Lisboa.

 

Mas para além das pertinentes questões que referi, e que poderiam levar, só por si, à reconsideração de proposta do executivo, é a natureza da operação, a natureza da opção política que lhe está subjacente, que torna a proposta inaceitável.

 

É interessante recordar que a proposta de constituição de um fundo de investimento imobiliário pelo município ocorre exactamente no momento em que Portugal e a Europa se encontram no centro de uma gravíssima crise financeira, que desembocou na crise económica e social em que nos afundamos. Para essa crise muito contribuiu (e contribui) a dimensão e gravidade da especulação financeira, que reflecte a crise sistémica deste capitalismo financeiro e globalizado. E conforme escreveu há poucos dias um conhecido militante (e ex-ministro) socialista “foram políticos imprudentes quem abriu caminho a este descontrolado poder da finança, ao incentivarem medidas que puseram nas mãos dos especuladores quase todas as poupanças do mundo, bem como quase todos os critérios da sua gestão”. É notória a crescente subordinação do poder político ao poder económico e financeiro nacional e internacional, com os governos a tomar medidas, não centradas nos cidadãos, mas para “acalmar os mercados”, para “ganhar a confiança dos mercados”, ou seja, para satisfazer os apetites do capital especulativo. Face à situação com que nos confrontamos, em que os governos estão reféns dos especuladores, é certamente um objectivo prioritário das forças da esquerda garantir a existência da vontade política e dos meios apropriados para que o poder político possa reconquistar ao sistema financeiro o poder que ele de facto detém.

 

Pois é neste contexto que, estranhamente num município com um executivo de maioria socialista, surge esta proposta para entregar ao capital financeiro 25% do potencial de edificabilidade dos solos municipais em Lisboa. Mas quem é que acredita que é esta a via para solucionar os problemas da habitação em Lisboa? Mas será que os problemas habitacionais de Lisboa se resolvem com a criação do tal fundo de investimento imobiliário que nos é apresentado?

 

Nós consideramos que o problema central que Lisboa enfrenta, aquele a que é necessário dar resposta urgente, é o da perda de habitantes que vem sofrendo de há trinta anos para cá. É a expulsão dos lisboetas da sua cidade, muito em especial dos mais jovens e dos mais pobres, atirados cada vez para mais longe da sua terra por não encontrarem casas ao alcance das suas bolsas, que constitui na realidade a questão central da crise de Lisboa a que urge dar resposta.

 

A cidade precisa de novas soluções, de novas políticas, para combater problemas que se vêm agravando no tempo. E hoje há um consenso entre um conjunto alargado de forças políticas e sociais de que a reabilitação urbana pode proporcionar a disponibilização de habitações com custos mais reduzidos que a construção de novas casas e com prazos mais curtos. A especulação imobiliária é o problema e não a solução. Não é com o recurso a fundos de investimento imobiliário, que obviamente procurarão optimizar o rendimento dos capitais investidos e que dirigirão a sua actividade de construção para as classes com mais posses e para o sector empresarial, que se conseguirá que volte para a cidade quem por falta de capacidade financeira teve que abandonar Lisboa. A proposta desta operação de criação do fundo de investimento imobiliário e o projecto político que lhe está subjacente, vêm acrescentar crise à crise.

 

Mas há outra razão que torna a proposta desta segunda operação extraordinária totalmente inaceitável. A Câmara pretende ficar como parceiro minoritário (25% no final do processo) do fundo de investimento imobiliário, com o argumento de que assim poderá beneficiar de uma eventual valorização dos terrenos que venha a ocorrer em momento posterior ao da constituição do fundo. O Senhor Presidente António Costa, na sessão de Câmara que aprovou as propostas que agora analisamos, considerou que a presença da CML no Fundo significava uma oferta de parceria aos investidores. Passo a citar: “O facto de estarmos no fundo com uma participação de 25% significa também para os nossos parceiros que nós não teremos uma atitude passiva, mas pelo contrário, uma atitude activa e interessada na valorização daquele património, o que obviamente é algo importante para os parceiros”.

 

O que é que isto quer dizer, que “sinal é que isto pretende dar aos mercados”? É que a CML se torna num parceiro da especulação imobiliária, que terá uma atitude não passiva mas “activa e interessada na valorização do património”.

 

É     oportuno recordar que a nossa Constituição da República refere como primeiro princípio fundamental da Organização Económica a “subordinação do poder económico ao poder político democrático”. E estabelece ainda que “a administração pública visa a prossecução do interesse público” (art.º 266) e que “no exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público” (art.º 269). Ora a CML tem importantes funções nos domínios do ordenamento do território, do urbanismo e da habitação, domínios de extrema importância para o “mercado imobiliário”. Quando a Câmara de Lisboa tiver que tomar decisões que interessem ao Fundo, como se compagina o cumprimento das obrigações constitucionais com a “atitude activa e interessada na valorização do património do fundo” que promete o Presidente António Costa? Não passaremos a estar perante um caso nítido de “fusão” entre os interesses económicos privados e os que têm de decidir politicamente? Não passaremos a estar perante um caso de evidente promiscuidade entre interesses privados e entidades com autoridade de Estado?

 

É   necessário colocar o Estado ao serviço exclusivo do interesse público e não de interesses privados. E isso é completamente incompatível com a proposta que nos foi apresentada.

 

 

Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados

 

Muitos outros pontos dos documentos em discussão (Orçamento e GOP) mereceriam análise, caso houvesse tempo para isso. Alguns para manifestar a nossa concordância, como por exemplo:

 

a)  a continuação da aposta no Plano Verde, tema que o BE trouxe a esta Assembleia no mandato anterior e que mereceu aprovação;

 

b)   a continuidade do processo do Orçamento Participativo, outra iniciativa do BE que também

 

mereceu aprovação nesta Assembleia e que hoje tantas forças políticas valorizam como positiva;

c)  o transporte escolar;

 

d)  a reabilitação e modernização do parque escolar; etc.

 

Diversos outros aspectos merecem todavia a nossa discordância, mas apenas referirei dois deles.

 

O primeiro tem a ver com as despesas com o pessoal e com a aquisição de serviços.

 

 

As despesas com o pessoal nesta proposta tiveram uma enorme redução, superior a 42,9 M€, sendo apontadas como principais componentes de tal redução a redução de remunerações por aposentações (sem substituição), o confisco dos 13º e 14º meses, e a redução dos custos do trabalho extraordinário. Constata-se pois que a CML diminui o emprego e, quanto às horas extraordinárias, adiciona à diminuição decretada pelo Governo (a redução do valor unitário da hora) a diminuição do número de horas extraordinárias. Ora sem deixar evidentemente de admitir que possam existir situações injustificadas, ou de abuso, que podem justificar medidas de racionalização, já não se pode concordar com a redução do número de horas extraordinárias quando correspondem a regimes de trabalho estabilizados, como é o caso por exemplo da recolha de resíduos sólidos ou dos bombeiros municipais. Não é este claramente o momento para adicionar à colossal diminuição dos rendimentos do trabalho dos trabalhadores da administração pública, da responsabilidade do Governo PSD/CDS, mais uma redução de iniciativa da Câmara. Sabendo-se até que tais reduções implicariam uma clara diminuição da qualidade do serviço prestado ou da segurança de pessoas e bens na cidade. É necessário bom senso e sensibilidade social. Lisboa não deve, em matéria remuneratória, adicionar crise à crise.

 

Já quanto às despesas com a aquisição de serviços entendemos que a redução da despesa proposta é insuficiente. Parece-nos, por exemplo, que despesas de cerca de 7,7 M€ em limpeza e higiene, de 6,6 M€ em vigilância, de 2,9 M€ em estudos, pareceres, projectos e consultoria e de 15,6 M€ em outros trabalhos especializados têm um potencial de redução elevado, desde que se aposte na rentabilização dos recursos próprios da Câmara.

 

O segundo aspecto, dos que merecem a nossa discordância e que irei referir, tem a ver com o domínio da Acção Social. O País atravessa uma crise que, também na dimensão social, se tem vindo a agravar progressivamente. Portugal é dos países da UE com maiores desigualdades sociais e aquele em que é mais elevado o risco de pobreza persistente, que afecta especialmente as mulheres, as crianças e os idosos. Regista neste momento um valor muitíssimo elevado de desemprego, que se prevê que aumente com as medidas de carácter recessivo tomadas pelo Governo PSD/CDS. As situações de pobreza atingem novas camadas sociais, e daí o número crescente dos chamados “novos pobres”.

 

Temos vindo a defender que a Câmara Municipal de Lisboa crie um gabinete de crise, que lhe permita acompanhar a evolução da situação social na cidade, e que crie um quadro de apoios sociais (com dotação orçamental suficiente) às famílias mais afectadas pela situação social que vivemos e que presumivelmente, todos o prevêem, se vai agravar.

 

No ano findo foi criado, como uma das contrapartidas que o PS concedeu ao PSD para que este viabilizasse o orçamento para 2011, um Fundo de Emergência Social. Dotado com uma verba que desde logo considerámos insuficiente para um programa municipal mínimo, que pudesse dar uma contribuição para uma resposta à crise que afecta já tantos lisboetas, a verdade é que tal Fundo nunca saiu do papel ao longo de todo o ano. E apenas em Novembro passado a Câmara aprovou uma proposta a apresentar a esta Assembleia, que se encontra aliás em análise nesta sessão. Tal proposta contém um conjunto muito vago de normas que tem apenas, e só, o objectivo de evitar que a distribuição das verbas do Fundo seja feita unicamente com base no livre arbítrio do Vereador responsável pela sua atribuição. Na ausência de um mecanismo de monitorização da evolução da situação de crise na cidade, como o que foi objecto da nossa proposta (aliás aprovada nesta Assembleia), não foi possível ao executivo definir uma estratégia que regesse a contribuição municipal no combate à emergência social.

 

Na proposta de Orçamento para 2012 lá aparece novamente uma verba para o tal Fundo de Emergência Social, no montante de 1,5 M€, claramente insuficiente. É interessante comparar este valor com o montante de 3 M€ que está previsto, na proposta de orçamento que apreciamos, para remuneração da Entidade Gestora do Fundo de Investimento Imobiliário. Sim, é verdade, a proposta de Orçamento que temos em análise propõe que seja atribuída à entidade gestora do Fundo de Investimento Imobiliário exactamente o dobro do montante orçamentado para o Fundo de Emergência Social. O confronto destes dois números diz muitíssimo sobre as opções políticas subjacentes à proposta que temos em análise. Esta notória insensibilidade social é chocante e manifesta-se em várias dimensões do Orçamento para este ano.

 

Acresce ao exposto que os dois documentos que temos para aprovação, Orçamento para 2012 e GOP 2012-2015, não são consistentes, isto é, as opções adoptadas num deles não têm demasiadas vezes correspondência, ou contrapartida, no outro. Parecem, em múltiplos pontos, que foram elaborados por responsáveis diferentes, com opções que por vezes não são coincidentes mas que, pelo contrário, são distintas.

 

 

Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados

 

Foi-nos presente um Orçamento para 2012 e umas GOP para 2022-2015 que não respondem minimamente às necessidades decorrentes dos graves problemas com que nos defrontamos, em Lisboa e em Portugal. Os documentos em discussão patenteiam aliás uma chocante insensibilidade social no momento de emergência social que o País atravessa. As operações extraordinárias que nos foram propostas merecem-nos fortes críticas, e não garantem o respeito de princípios fundamentais de transparência e de ética política.

 

Consideramos pois que o projecto político subjacente às propostas que o Sr. Presidente António Costa e o seu executivo nos apresentam vem acrescentar crise à crise. Vem acrescentar crise à crise na cidade de Lisboa. Vem acrescentar crise à crise no País.

 

 

 

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